Vinícius Konchinski e Vinícius Segalla
Do UOL, em São Paulo
Uma tradução não exatamente literal está no centro do principal impasse entre Fifa e governo federal que atrasa a votação da Lei Geral da Copa no Congresso Nacional. O problema está no Caderno de Garantias e Responsabilidades assinado pelo Brasil em outubro de 2007. No documento, o país assumiu o compromisso de assegurar alguns serviços e isenções para garantir a organização da Copa da maneira como a Fifa solicita.
Em uma delas -a que diz respeito às indenizações que deverão ser pagas à Fifa em caso de catástrofes ou acidentes- a versão em português teria "abrandado" as obrigações do governo, comparando com o que estava escrito na versão original, em inglês, apresentada pela Fifa a todos os países então candidatos a sediar o evento.
Cada uma das garantias foi assinada, em uma versão em português e em outra em inglês, pelo ministro da pasta cujo assunto era relacionado. Assim, por exemplo, na Garantia 11, relacionada às telecomunicações e tecnologia da informação, o Ministério das Comunicações foi encarregado de aprovar.
A garantia de número 10, sob responsabilidade da AGU (Advocacia Geral da União), porém, foi assinada apenas em sua versão em português. À época, o Advogado Geral da União era José Dias Toffoli, que hoje é ministro do STF (Supremo Tribunal Federal). Ao contrário de todos os outros ministros que assinaram o Caderno de Garantias, Tofolli recusou-se a assinar a versão em inglês do documento.
A versão que foi utilizada pelo autor do projeto da Lei Geral da Copa, deputado Vicente Cândido, para redigir a norma, foi a que está em português. Agora, segundo o próprio deputado, a Fifa discorda da forma como foi feita a tradução da Garantia 10, e quer que o Brasil vá além do que está no projeto que tramita na Câmara dos Deputados.
Segundo ele, a Fifa quer que a lei aprovada deixe muito claro que o governo federal deverá indenizar a entidade em quaisquer casos de prejuízos gerados por catástrofes naturais, atos de terrorismo ou de guerra, e tal garantia não estaria clara na versão assinada pelo então Advogado Geral da União. "Esta é a questão mais problemática em relação à aprovação da lei", afirma Cândido.
A versão em português da Garantia 10 descreve:
"Na hipótese da candidatura brasileira (...) ser a escolhida pela Fifa para sediar a Copa (...), afirmamos e garantimos à Fifa que tomaremos, no exercício de nossas competências constitucionais e legais, todas as providências necessárias no sentido do Brasil assegurar indenização à Fifa e seus representantes, empregados e consultores, bem como defendê-los e colocá-los a salvo de todos os custos com processos, reivindicações e custos afins (bem como honorários advocatícios) que possam ser incorridos ou sofridios ou ameaçados por outros contra a Fifa e seus representantes, empregados ou consultores com relação à organização da Copa do Mundo da Fifa de 2014.
Esta tradução não teria agradado à Fifa, afirma o relator da Lei Geral da Copa. O UOL apresentou o texto original, em inglês, para a tradutora Flávia Ferreira. Segundo ela, a versão assinada pelo governo brasileiro não representa uma tradução literal da peça originalmente apresentada pela Fifa. "São diferenças bem sutis, mas que têm peso", afirma a profissional.
A pedido da reportagem, a tradutora redigiu a sua versão do texto em questão:
"Na hipótese da candidatura brasileira (...) ser a escolhida pela Fifa para sediar a Copa (...), declaramos e nos responsabilizamos perante à Fifa, garantindo indenização à FIFA e seus representantes, funcionários e conselheiros, bem como a defendê-los e mantê-los imunes em qualquer processo, reclamação e custos relacionados (incluindo quaisquer honorários profissionais), que podem ser incorridos ou sofridos por ou ameaçados por outros contra a FIFA e suas representantes, funcionários e conselheiros em relação à organização e realização da Copa do Mundo da FIFA."
Já a versão original do documento, em inglês, é a que segue:
"In the event that the Bid LOC established by the Confederacão Brasileira de Futebol (CBF) is selected by FIFA to host and stage the 2013 FIFA Confederations Cup and the 2014 FIFA World Cup (the “Competitions”), we hereby represent and guarantee to FIFA, and will ensure to indemnify FIFA and its representatives, employees and advisors and defend and hold them harmless against all proceedings, claims and related costs (including professional advisor’s fees), which may be incurred or suffered by or threatened by others against FIFA and its representatives, employees and advisors in relation to the organization and staging of the 2014 FIFA World Cup."
A principal diferença entre o texto assinado pelo Brasil e a versão em inglês é a inclusão, no texto em português, da ressalva de que o Brasil garantirá a indenização perante à Fifa "no exercício de nossas competências constitucionais e legais".
Obras para a Copa de 2014
Obras para a Copa de 2014
O problema é que, em casos de sinistros gerados por catástrofes naturais, como enchentes ou vendavais, a Constituição Federal não é clara no sentido de responsabilizar o Estado e obrigá-lo a indenizar as vítimas. Há jurisprudência nos tribunais tanto responsabilizando os entes públicos, em casos que se constata omissão do poder público em realizar obras contra enchentes, por exemplo, como de isenção do Estado de qualquer responsabilidade, no caso de catástrofes consideradas absolutamente fortuitas e inevitáveis.
"Não temos tradição de jurisprudência responsabilizando o Estado por catástrofes naturais e atos de terrorismo. A Fifa quer ir além das garantias constituicionais", afirma o deputado Vicente Cândido. O parlamentar tem uma reunião nesta terça-feira na Advocacia Geral da União, e espera sair de lá com uma solução para o impasse.
Embora não confirme oficialmente, a Fifa já demonstrou seu descontentamento com a Garantia número 10. Em visita ao Brasil no início da segunda quinzena de janeiro, o secretário-geral da entidade, Jérôme Valcke, deu a seguinte declaração à imprensa: "Desastre natural e segurança no país não podem ser responsabilidade da Fifa, têm que ser do governo. Não podemos ser responsáveis por eventos deste tipo".
O UOL procurou a Advocacia Geral da União para comentar o assunto. O órgão afirmou que irá divulgar um posicionamento até o fim da tarde desta terça-feira.
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